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ICOM - Instituto Couto Maia

Nordeste é a terceira região com maior incidência de hanseníase

22 de agosto de 2019

Estudo que reuniu dados de mais de 30 milhões de brasileiros comprovou desigualdade regional e correlação entre dificuldades socioeconômicas e contágio da doença

Um estudo realizado com dados de mais de 30 milhões de brasileiros, aponta que o risco de uma criança contrair hanseníase na região Norte do Brasil é 34 vezes maior do que no Sul. Moradores do Norte ou Centro-Oeste têm de cinco a oito vezes mais chances de contrair a doença, sendo o Nordeste a terceira região de maior incidência no Brasil. O risco de hanseníase é 40% maior nas pessoas em situação de pobreza em relação a indivíduos com renda acima de um salário mínimo.

A hanseníase atinge, ainda hoje, 200 mil pessoas por ano, sendo que a cada dez novos casos no mundo, um acontece no Brasil, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/ONU). Mesmo a doença não acometendo unicamente os grupos em situação de pobreza, a pesquisa apontou que na parcela mais pobre da população analisada, as pessoas que apresentaram os piores níveis de escolaridade, renda, ocupação, moradia e de cor preta estão sob maior risco.

O estudo foi realizado por pesquisadores do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade de Brasília, Fiocruz Brasília, London School of Hygiene & Tropical Medicine (LSHTM) e Universidade Federal Fluminense (UFF).

Pesquisa acompanha a evolução da saúde das crianças inscritas no Cadastro Único

A pesquisa foi conduzida com base nos dados individualizados da Coorte de 100 Milhões de Brasileiros – plataforma de pesquisas do Cidacs, que favorece o estudo dos determinantes sociais e efeitos de políticas e programas sociais sobre os diferentes aspectos da saúde no Brasil. A plataforma relacionou as informações do Sistema de Informações de Agravos de Notificação (SINAN) com os dados do Cadastro Único.

“O início da Coorte é como se fosse uma fotografia do momento de entrada desses indivíduos no Cadastro Único, que vem para a implementação de programas sociais, principalmente do Bolsa Família. Muitas das mães cadastram a família quando estão grávidas ou quando as crianças estão pequenas. Essa primeira fotografia que a gente tem é de uma população bastante jovem, por isso, também quisemos fazer um recorte das crianças, acompanhando-as desde a entrada no cadastro até completarem 15 anos”, explica Júlia Pescarini, pesquisadora da Cidacs/Fiocruz Bahia.

Quando analisados somente os dados de pessoas com até 15 anos, crianças de raça cor preta e parda possuem 92% mais risco de adoecer do que as brancas – essa taxa é de 40% quando incluída a população adulta. A aglomeração de pessoas na mesma casa e a carência de energia elétrica também foram consideradas fatores de risco nessa faixa etária. A ausência de rede pública de saneamento e a residência em moradias feitas com materiais como taipa e madeira também foram relacionados a um maior risco de adoecimento pela hanseníase.

Maior investigação sobre a hanseníase no Brasil

hanseníase

Como a hanseníase é uma doença rara com um longo período de incubação, os pesquisadores afirmam que o tamanho da população estudada e o período de tempo de 8 anos possibilitou realizar “a maior investigação prospectiva em nível individual sobre pobreza e hanseníase, fornecendo uma estimativa mais robusta do efeito da privação na hanseníase do que qualquer outra pesquisa já realizada”.

“A partir do momento que a gente tem os dados no Cadastro Único, você sabe como será a figura dessas famílias antes deles virem adoecer com a hanseníase, sendo possível fazer uma linha temporal”, conclui Júlia.

O estudo ainda ressalta que, apesar das regiões de maior incidência, quando isoladas na pesquisa, a relação dos fatores socioeconômicos e o risco de hanseníase se manteve, ou seja, independente da região do país, a falta de condições básicas relacionadas à moradia e à alimentação vai continuar associada à hanseníase.

Informações sobre hanseníase orientam políticas públicas

As informações do estudo foram divulgadas e discutidas no Seminário de Entrega Hanseníase, realizado na última sexta-feira, 16 de agosto, no Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz Bahia), em Salvador, Bahia. O evento promoveu um diálogo com gestores e tomadores de decisão, apontando com mais precisão a população mais vulnerável e as variáveis que devem ser mais observadas na construção de políticas públicas para esse problema de saúde.

Para o coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas com Hanseníase (Morhan), Artur Custódio, “as informações fornecidas no evento servem para brigar por ações específicas. Algumas dessas informações a gente já tinha noção, mas não com tanto detalhamento e a gente vai usar isso para o advocacy. São coisas que a gente discute há 30 anos e que pensávamos, como vamos incluir as questões sociais nas políticas de hanseníase?”.

Durante sua apresentação no seminário, a epidemiologista Júlia Pescarini, enfatizou a necessidade do enfrentamento das desigualdades sociais como principal ação de combate à hanseníase. “As famílias beneficiárias do Bolsa Família tiveram uma redução de 14% do risco de adoecer por hanseníase e, quando esse indivíduo adquire a doença e possui bolsa família, percebeu-se uma redução de 25% das incapacidades físicas”.

Dificuldades para realizar o diagnóstico da hanseníase

Um achado importante é que locais com maior incidência de hanseníase também são os locais em que a evolução para incapacidade é menor. “A hipótese é que como o profissional vê menos a doença ele leva mais tempo para identificá-la”, explicou Mauro Sanchez, professor da UnB.

A médica infectologista e diretora do Hospital Couto Maia, Ceuci Nunes, concorda com Sanchez. Para ela, o diagnóstico é muito difícil entre pacientes de rede particular porque os profissionais não veem a doença, há pouca inserção de hanseníase nas escolas de medicina. “Esses dias recebi uma paciente com diagnóstico de neoplasia e era hanseníase”, comentou Ceuci Nunes.

Fonte: Cidacs


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