15 de agosto de 2025
No coração do Instituto Couto Maia (ICOM), hospital referência em doenças infectocontagiosas na Bahia, pulsa um serviço que vai muito além da assistência clínica tradicional. Trata-se da Equipe de Cuidados Paliativos, uma iniciativa que tem transformado a maneira como pacientes em sofrimento grave — e suas famílias — são acolhidos no SUS. Implantado durante a pandemia de COVID-19, a iniciativa nasceu como comissão e hoje se consolidou como uma equipe interdisciplinar e multiprofissional, vinculada à Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), mas com identidade própria e atuação contínua no ICOM.
A origem do programa remonta aos dias mais críticos da pandemia, quando a urgência de humanizar o cuidado tornou-se evidente. O que começou com uma comissão enxuta — formada por uma médica, uma assistente social e uma psicóloga — se expandiu para um time robusto e referência em cuidados paliativos hospitalares. Atualmente, conta com duas médicas diaristas exclusivas, uma enfermeira, uma técnica de enfermagem (diferencial pouco comum nos programas semelhantes), psicóloga, fisioterapeuta, farmacêutica, dois nutricionistas e suporte de outros profissionais sob demanda.
A equipe atua de forma transversal nas enfermarias, UTIs e pediatria, realizando atendimentos conjuntos à beira-leito, visitas ativas e acompanhamento sistemático dos casos. Além disso, os médicos podem solicitar o acompanhamento do serviço de cuidados paliativos via prontuário do paciente. O trabalho culmina, às quartas-feiras, em reuniões multiprofissionais e transdisciplinares, nas quais se discute cada paciente sob múltiplos olhares: físico, psicoemocional, sociofamiliare espiritual.
“O objetivo é a equipe chegar o mais precocemente nesse paciente para iniciar um plano de cuidado personalizado, centrado na necessidade daquela pessoa’’, explica Cassiana Souza, assistente social de referência.
Mais do que aliviar sintomas físicos, o acompanhamento fornecido aposta na escuta ativa, na construção de vínculos e na valorização das histórias de vida. A partir da admissão hospitalar, a equipe busca identificar precocemente os pacientes com perfil paliativo, garantindo-lhes um plano de cuidado individualizado e centrado na pessoa. Esse plano é construído em diálogo com o paciente, sempre que possível, e com seus familiares — ou com sua rede de apoio, entendida em sentido ampliado: vizinhos, amigos, irmãos de fé ou até mesmo equipes profissionais vinculadas a rede de atenção à saúde, como exemplo o Consultório na Rua.
“A gente já fez conferência familiar com uma pessoa, com cinco, com dezessete. O importante é acolher quem está na rede de cuidado daquele paciente”, explica Cassiana Souza, assistente social do ICOM. As reuniões com familiares ocorrem em espaço próprio, pensado para ser acolhedor e respeitoso. E, quando necessário, o atendimento é flexibilizado para o modo virtual, especialmente em casos em que a distância geográfica ou as limitações financeiras dificultam o comparecimento presencial.
Desfazer a ideia de que cuidados paliativos se resumem à fase terminal é uma das principais frentes da equipe. Segundo os dados mais recentes do serviço, boa parte dos pacientes acompanhados recebe alta hospitalar — muitos deles com plano de continuidade de cuidado em ambulatórios ou em domicílio. Nesses casos, o ICOM articula com as Unidades Básicas de Saúde (UBS), Núcleos de Assistência Domiciliar do Estado (NAD) ou, via central de regulação, com o Hospital Mont Serrat, o primeiro e único hospital do país dedicado aos cuidados paliativos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O diferencial do serviço, no entanto, vai além da técnica. Atividades como cinema na enfermaria, comemorações de aniversários, visitas caninas e até encontros com familiares distantes fazem parte da estratégia de humanização. Um dos exemplos mais emocionantes foi a visita de um bebê recém-nascido à avó internada — um reencontro viabilizado pela equipe que compreendeu o valor simbólico desse momento para a paciente.
O conceito é claro: o sofrimento humano é multidimensional, e o cuidado deve ser oferecido em todas essas esferas: física, psíquica, social e espiritual.
O serviço já apresentou seus dados e resultados no Seminário de Gestão da Sesab. Segundo Cassiana, o número de atendimentos e conferências familiares cresce a cada ano, revelando não apenas a necessidade, mas também a efetividade do modelo. “Temos muito orgulho desse projeto e de como a humanização é uma realidade vivida diariamente pela nossa equipe”, afirma a assistente social. E não por acaso.
A abordagem centrada na pessoa, o respeito às particularidades culturais e afetivas e a integração com outros serviços públicos de saúde posicionam o Instituto Couto Maia como um dos principais centros de cuidado integrado do estado.
Enquanto muitos ainda associam “paliativo” à ideia de fim, o que se vê no ICOM é o oposto: o cuidado que começa desde o início do sofrimento grave e que, acima de tudo, resgata a dignidade da vida até o último momento — e, às vezes, além dele.